terça-feira, 19 de outubro de 2010

Zacarias

Não colheu o pão na sexta e também não pegou nele no sábado. Ficou a saca pendurada na porta. Foi por isso que alguém suspeitou e deu em pensar. A voz correu quase a meias palavras. Os passos começaram a serem mais velozes e o aleteio da angústia fez barulho no peito.
-É o Zacarias que não responde. O pao fica na porta desde a sexta.
O Zacarias mora sozinho. Tem uma voz áspera do vinho e do pouco uso. Deixa passar o tempo das tardes com a certeza simples de que a noite há de chegar. E depois bebe e depois adormece.
Mas na sexta O Zacarias, com nome de profeta, não tirou o pao da sua porta. E também no sábado ficou ali pendurado.
O vizinho fez um buratinho de sombra com as maos e enfiou o seu olhar dentro dos vidros da janela. Viu apenas as pernas do Zacarias. Zacarias deitado. Imóvel. As pernas do Zacarias na pozinha de sombra feita com as duas maos para olhar dentro dos vidros. Imóvel.
-Tá morto o Zacarias!
As vozes caminharam pela aldeia a dar pequenos saltos de pardal. De casa em casa. Sementando silêncios pequeninos e cruzes rabiscadas com os dedos.
Morreu sozinho. Sem fazer barulho. Com aquela certeza sua de chegar a noite.

5 comentários:

  1. Que linda homenagem...
    Falamos de intra-história.
    E como acarinhas a sua memória de paria com as palavras mais valiosas...
    Obrigado pola sensibilidade e a literatura.
    Saúdo.

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  2. Me gusta leerte así, sin cambiar la realidad, pero mirándola distinto.
    Gracias.
    Bjs

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  3. Obrigada Anônimo, reconforta sempre.
    Amalia, es que la realidad es tremenda!! es casi imposible que lo sea! :)
    Beijinhos para as/os dois.

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  4. Estou a pensar que vou pedir para me trazerem o pão à casa...

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  5. Ora essa! Qué coisa! antes descobríamos pelo blogue! O mau ia ser chamar à porta.. e até olhar pelos vidros...(Deus...humor negro..)

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