-Mãe.... quando deixaram de existir os dinossáurios e começaram a existir os homens primitivos, como nasceram? Nasceram primeiro assim eles sem sair da barriga duma mae e depois já começaram a nascer da barrigas das mães, ou já nasceram da barriga da primeira mãe. …
E tudo isto no carro, saíndo dum stop, mesmo sem fazer pausas para colher ar, quase sem me deixar ver a estrada.
Não, não respondi:
-Ora essa, Nicolás! Já estades trabalhando na pré-história!
E continuou a falar em dinossáurios... porque as perguntas das crianças estão feitas de sabão.
terça-feira, 26 de outubro de 2010
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
Intrascendente
É um copo cinzento.
Não. Não é. É um copo opaco e sem brilho maltratado pelo lavalouça. É um copo opaco batido pelo tempo. Um sobrevivente dos jantares e das mãos apressadas. Dos lábios que o beijaram para beber entre palavras cruçadas.
É um copo velho e como é velho parece cansado e, quase por compaixão, não deixo nunca chegar até à mesa.
Ontem ficava toda a louça por lavar e peguei então no copo, lá no fundo da vitrina.
O Nicolás fez uma festa:
-Bem! Por fim! Gosto imenso deste copo mamai! é tão lindo! assim todo ele cinzento. Tem uma cor linda...!
E mesmo levanta o copo para olhar a contra luz...
-É precioso! por quê é que temos apenas um?
É um copo cinzento. Não. Não é. É um copo opaco e sem brilho maltratado pelo tempo.
Não. Não é. É um copo opaco e sem brilho maltratado pelo lavalouça. É um copo opaco batido pelo tempo. Um sobrevivente dos jantares e das mãos apressadas. Dos lábios que o beijaram para beber entre palavras cruçadas.
É um copo velho e como é velho parece cansado e, quase por compaixão, não deixo nunca chegar até à mesa.
Ontem ficava toda a louça por lavar e peguei então no copo, lá no fundo da vitrina.
O Nicolás fez uma festa:
-Bem! Por fim! Gosto imenso deste copo mamai! é tão lindo! assim todo ele cinzento. Tem uma cor linda...!
E mesmo levanta o copo para olhar a contra luz...
-É precioso! por quê é que temos apenas um?
É um copo cinzento. Não. Não é. É um copo opaco e sem brilho maltratado pelo tempo.
quinta-feira, 21 de outubro de 2010
Médicos
Pego no documento e olho devagar: analítica normal.. bom, o ferro um pouco baixo. Visão, normal... bom miopia e astigmatismo... ouvido, normal... bom, má ventilação no direito... Não bebedora, não fumadora, alérgica.... e padece cifose. Recomenda-se nadar.
CIFOSE?
Os dedos escrevem a palavra no google: ci-fo-se... nao será nada...já vou ver...
Cifose? Está claro: é a tendência natural da minha identidade que tenta manifestar-se.
Cifose, ora essa! o que estou é a mudar em bruja!!!
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
"El harén en Occidente"
Es un libro de Fatima Mernissi. Desarrolla una idea brillante sobre el harén de Occidente. Analiza y compara la actitud frente a la mujer en la constante: oriente/occidente...
No me resisto a dejar de compartir:
"Sí, pensé, acababa de encontrar la respuesta a mi enigma. A diferencia del hombre musulmán, que establece su dominación por medio del uso del espacio (excluyendo a la mujer de la arena pública), el occidental manipula el tiempo y la luz. Este último afirma que una mujer es bella solo cuando aparenta tener catorce años. Si una comete la osadía de aparentar los cincuenta o, peor aún, los sesenta, resulta simplemente inaceptable. Al dar el máximo de importancia a esa miagen de niña y fijarla en la iconografía como ideal de belleza, condena a la invisibilidad a la mujer madura. De hecho, el occidental moderno refuerza así las teorías sostenidas por E. Kant en el s. XVIII. Las mujeres deben aparentar que son bellas, lo cual no deja de ser infantil y estúpido. Si una mujer aparente amadurez y seguridad en sí misma, y por lo tanto no se avergüenza de unas caderas anchas como las mías, se la condena por fea. Así pues, la frontera del harén europeo separa una belleza juvenil de una madurez que se considera de mal gusto.
(...)... las actitudes occidentales son más peligrosas y taimadas que las musulmanas porque el arma utilizada contra las mujeres es el tiempo. El tiempo es algo menos visible, más fluido que el espacio".
No me resisto a dejar de compartir:
"Sí, pensé, acababa de encontrar la respuesta a mi enigma. A diferencia del hombre musulmán, que establece su dominación por medio del uso del espacio (excluyendo a la mujer de la arena pública), el occidental manipula el tiempo y la luz. Este último afirma que una mujer es bella solo cuando aparenta tener catorce años. Si una comete la osadía de aparentar los cincuenta o, peor aún, los sesenta, resulta simplemente inaceptable. Al dar el máximo de importancia a esa miagen de niña y fijarla en la iconografía como ideal de belleza, condena a la invisibilidad a la mujer madura. De hecho, el occidental moderno refuerza así las teorías sostenidas por E. Kant en el s. XVIII. Las mujeres deben aparentar que son bellas, lo cual no deja de ser infantil y estúpido. Si una mujer aparente amadurez y seguridad en sí misma, y por lo tanto no se avergüenza de unas caderas anchas como las mías, se la condena por fea. Así pues, la frontera del harén europeo separa una belleza juvenil de una madurez que se considera de mal gusto.
(...)... las actitudes occidentales son más peligrosas y taimadas que las musulmanas porque el arma utilizada contra las mujeres es el tiempo. El tiempo es algo menos visible, más fluido que el espacio".
terça-feira, 19 de outubro de 2010
Zacarias
Não colheu o pão na sexta e também não pegou nele no sábado. Ficou a saca pendurada na porta. Foi por isso que alguém suspeitou e deu em pensar. A voz correu quase a meias palavras. Os passos começaram a serem mais velozes e o aleteio da angústia fez barulho no peito.
-É o Zacarias que não responde. O pao fica na porta desde a sexta.
O Zacarias mora sozinho. Tem uma voz áspera do vinho e do pouco uso. Deixa passar o tempo das tardes com a certeza simples de que a noite há de chegar. E depois bebe e depois adormece.
Mas na sexta O Zacarias, com nome de profeta, não tirou o pao da sua porta. E também no sábado ficou ali pendurado.
O vizinho fez um buratinho de sombra com as maos e enfiou o seu olhar dentro dos vidros da janela. Viu apenas as pernas do Zacarias. Zacarias deitado. Imóvel. As pernas do Zacarias na pozinha de sombra feita com as duas maos para olhar dentro dos vidros. Imóvel.
-Tá morto o Zacarias!
As vozes caminharam pela aldeia a dar pequenos saltos de pardal. De casa em casa. Sementando silêncios pequeninos e cruzes rabiscadas com os dedos.
Morreu sozinho. Sem fazer barulho. Com aquela certeza sua de chegar a noite.
-É o Zacarias que não responde. O pao fica na porta desde a sexta.
O Zacarias mora sozinho. Tem uma voz áspera do vinho e do pouco uso. Deixa passar o tempo das tardes com a certeza simples de que a noite há de chegar. E depois bebe e depois adormece.
Mas na sexta O Zacarias, com nome de profeta, não tirou o pao da sua porta. E também no sábado ficou ali pendurado.
O vizinho fez um buratinho de sombra com as maos e enfiou o seu olhar dentro dos vidros da janela. Viu apenas as pernas do Zacarias. Zacarias deitado. Imóvel. As pernas do Zacarias na pozinha de sombra feita com as duas maos para olhar dentro dos vidros. Imóvel.
-Tá morto o Zacarias!
As vozes caminharam pela aldeia a dar pequenos saltos de pardal. De casa em casa. Sementando silêncios pequeninos e cruzes rabiscadas com os dedos.
Morreu sozinho. Sem fazer barulho. Com aquela certeza sua de chegar a noite.
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
Para ti
Somos apenas terra. Espera. Olha para o céu e aguarda. Pode ser a chuva, pode ser a semente, pode ser o calor, pode ser a luz. Espera.
E se a vida nao quer agora, será que há guardado para ti um tesouro na nascente do Arco-íris: vá procurar. Nao te detenhas.
Para ti haverá um tesouro que custodiem os fios da chuva que penduram da luz.
Nao te detenhas.
E se a vida nao quer agora, será que há guardado para ti um tesouro na nascente do Arco-íris: vá procurar. Nao te detenhas.
Para ti haverá um tesouro que custodiem os fios da chuva que penduram da luz.
Nao te detenhas.
Também aqui o Outono
Há árvores que nascem para serem Outono. Olhares para reflectir esta luz. Cidades para anoitecerem cedo. Gosto destes dias porque mais uma vez a paisagem age, move-se, reage. Primavera invertida. Desleixo do verao.
Mas olha: há árvores que nascem para serem Outono. Olha bem.
Mas olha: há árvores que nascem para serem Outono. Olha bem.
terça-feira, 12 de outubro de 2010
Marcos 1
Vamos a decir que se llama Marcos y tiene catorce años, aunque no sea verdad. Camina dejando caer los brazos y arrastrando los pies como si la calle fuese la alfombra junto a la cama, pero busca en los escaparates la certeza de su aspecto y alguna mirada en la que colgar el disfraz de su joven mentira. Vamos a decir que tiene catorce años y que cuando camina arrastra los pies mientras sueña canciones de amor.
Fuerza la rima y se le escapa la ternura pero el humo dibuja nubes delante de sus ojos mientras su madre traga lágrimas de cristal para rehacer el camino.
Fuerza la rima y se le escapa la ternura pero el humo dibuja nubes delante de sus ojos mientras su madre traga lágrimas de cristal para rehacer el camino.
sábado, 9 de outubro de 2010
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
Amores de cada día
Fugaz.
Ella movió imperceptiblemente el brazo y lo dejó desnudo, al alcance del vello estremecido de aquel otro brazo tan próximo en el autobús. Volvió el rostro hacia la ventanilla y buscó distraída la parada. De pronto el frenazo y los dedos tibios sujetando com fuerza su muñeca. Se encogió desde el hombro pero dejó caer una sonrisa de mirada franqueable, casi osada. Por esa sonrisa él no consiguió soltarla, o acaso prefirió no soltarse. El disculpe se perdió en el rumor de la marcha y un cuerpo grueso apresurado hizo cóncavo el encuentro antes de recuperar la compostura. Nosepreocupe-perdón-mebajoaquí. Y aquí dejó ella la impronta de un nosotros que nos reímos hoy en medio de la prisa.
Solo había que esperar el autobús de mañana. Y mañana podría ya subir com un saludo.
Ella movió imperceptiblemente el brazo y lo dejó desnudo, al alcance del vello estremecido de aquel otro brazo tan próximo en el autobús. Volvió el rostro hacia la ventanilla y buscó distraída la parada. De pronto el frenazo y los dedos tibios sujetando com fuerza su muñeca. Se encogió desde el hombro pero dejó caer una sonrisa de mirada franqueable, casi osada. Por esa sonrisa él no consiguió soltarla, o acaso prefirió no soltarse. El disculpe se perdió en el rumor de la marcha y un cuerpo grueso apresurado hizo cóncavo el encuentro antes de recuperar la compostura. Nosepreocupe-perdón-mebajoaquí. Y aquí dejó ella la impronta de un nosotros que nos reímos hoy en medio de la prisa.
Solo había que esperar el autobús de mañana. Y mañana podría ya subir com un saludo.