quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Clandestinas

São poucas e são só mulheres. Entram pela porta da cabeleiraria, em silêncio, brevemente e com a voz baixa mastigam um boa noite e fazem uma genuflexão com os lábios que é de longe um sorriso. Chegam a destempo mas todas fazem o mesmo: atravessam o salão onde outras se penteiam e descem por uma escada afastada e escura. Uma a uma. Fora a noitinha lambe friamente as ruas e as pinta de azul e de faróis estrelados.
A primeira em chegar veste roupas escuras e saltos altos. Os cabelos apressadamente recolhidos e os passos rápidos e breves, num ritmo que a tiraniza. A segunda é uma mulher madura que caminha com certa dificuldade. O rosto é sério e as olheiras azuladas. A terceira leva da mão uma criança, a criança leva na mão um barco e os bolsos carregados de piratas miúdos que parecem surpreendidos da paisagem. Continuam chegando, até cinco mulheres, talvez seis.
Descem as escadas e no sótão vão deixando os casacos. Há pouca luz mas na penumbra brilham as paredes de espelhos. Abrem as sacas e num instante um tilintido alegre corre pela quarto. A criança, sentada num tapete, escuta o som e espera a transformação dos insetos. O chocalhar muda em saias de cores e ventres nus. A música corre pelas paredes e os sorrisos iluminam todas as caras. Abrem os braços. Todas elas são agora dançarinas, amadoras da vida e adictas ao ritmo. Clandestinas escapadas da jaula da rotina.

4 comentários:

  1. Y cumplen con el rito de bailar al unísono esos sonidos antiguos, tanto como los lazos que, aún sin quererlo, las unen.
    Gracias. Hermosísimo querida pau. Irresistible.
    Beijinhos

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  2. Eso es, Amalia, eso es lo que quería decir, pero tenía demasiado sueño... ;))
    beijinhos.

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  3. Sería un honor! Pero con tu frase final, sino está cojo! beijinhos.

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