Caminha arredor da mesa e vai pousando as colheres com as suas mãos pequeninhas. Com essa seriedade na rotina que só as crianças sabem guardar. Junto a cada prato, a sua colher. Pergunta cada noite quanto somos a cear, mas ele bem sabe, somos quatro. A seriedade do rito instala-se também no seu olhar e na conversa:
-Melani é o meu coração, mamai. Vou-na querer sempre.
Está namorado. Melani é a conductora do autocarro da escola. Uma rapariga de cabelo encaracolado e sorriso branco. É por ela que termina a tempo o pequeno almoço e sacode os lençois cheios de sono sem terminar.
-Vou-na querer sempre- Insiste.
Mas depois da terceira colher, cuidadosamente pousada junto ao prato vazio, afina o seu pensamento e acrescenta:
-Ainda que, na verdade, tou a pensar... que pode ser que quando seja maior não a saúde. Pode ser que nem a saúde...
-E isso por quê, Nicolás? por quê não ias saudar à Melani?
E sem deixar de arrumar a mesa para a ceia, sem mesmo olhar para mim, resume:
-Porque suponho que já não me vou lembrar. Quando seja maior, não me vou lembrar dela.
E eu calo porque nem sei como sabe, com essas mãos pequeninhas, que a infância fica apagada entre um barulho de dias a desabar em rotina.
José Luís Peixoto na Feira do Livro de Miami, 2024
Há uma semana
Cando sexa maior terá a memoria, que lle devolverá as miradas e as horas, como a nós. E que non lle falte, deusas, gardádella ben nalgún lugar seguro.
ResponderExcluirFermoso...., qué lindo este anano de cabelos encaracolados tamén.
ResponderExcluirbeijos dende este frío polar do norte, norte
Minha linda! no frio polar! cuida-te. Cuida-te muito e volta logo!
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