Estou de mau humor, chateada. O prato de Nicolás continua cheio e o relógio não quer deixar cair uns minutos de gorjeta. Já não sei mais ameaças para que termine. Já ficou sem o conto novo, sem brinquedo para levar à escola, já adverti de que vai ir para fora, agora que é noite e tudo ficou escuro. Mas o Nicolás continua a adiar os bocados, a brincar com a colher na poça fria de gravanços com tomate.
-Olha Nicolás, termina já a ceia, termina esse bocado que fica e vá para à cama!
O meu aceno é de madrasta de Cinderela, de bruxa de Branca Neve. Essa transformação impossível só própria das mães ou dos loucos.
Entao o Nicolás arroja a rede do seu olhar para enredar o meu que quase afoga:
-Mamai, o quê disseste?
-Que acabes!
-Não... eu escutei que dizias uma coisa muito linda...
E não quero, mas pergunto, um pouco coxa de voz:
-Que coisa...?
-Escutei que dizias: “venha Nico, mi amor, só fica esse bocado, acaba por favor...”
Nicolás tem os olhos pretos, por isso quando sai a pescar mamás, nunca vou saber onde é que fica o engodo.
José Luís Peixoto na Feira do Livro de Miami, 2024
Há uma semana
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